sábado, 28 de abril de 2018

Temos de ser médico de nós mesmos!




Quando em 2013, estava à espera de ser atendida no serviço de Urgência de um Hospital, depois de vários médicos me verem, e passar por exames de sangue, raio x e tac, eis que uma senhora de uma certa idade, a idade certa de quem já viveu o suficiente para aprender com a vida, a meio de uma conversa de doentes que esperam os seus veredictos, ali ao meu lado, me disse quase a cochichar no ouvido:

- Vou lhe dizer uma coisa, precisamos dos médicos, sim, dos seus tratamentos, das suas prescrições; mas eles sabem mais dos livros de medicina, enquanto nós é que sabemos do que realmente sentimos. Por isso, temos é de ser médicos de nós mesmos, se nos quisermos ajudar na descoberta do que realmente precisamos para nos sentirmos melhores.

Quando ouvi este comentário “ser médico de nós mesmos” por um instante, achei que isto era um bocado difícil de aceitar nos tempos de hoje, com tantos avanços na medicina, e seus tratamentos e exames cada vez mais sofisticados.

Uma dor de cabeça cura-se com tal comprimido e já está. Se quebrar uma perna, engessa-se e já está! Se tiver algo mais sério, opera-se, tira-se e pronto.

Foi com essa mentalidade confiante nos médicos e na sua medicina, que me deixei rapidamente operar a um cancro na tiróide, quando o que mais me interessava era inscrever-me na faculdade na semana seguinte.

Quando me disseram que eu tinha cancro, pensei que isso de ter doenças assim, com as tecnologias que hoje existem, basta lançarmos-nos nas mãos dos médicos cegamente, e seguir a minha vida em frente, pensar em outras coisas mais importantes, pois a batalha da doença já está ganha.

No entanto, ali estava no hospital, passados alguns meses, a ter sintomas uns quanto estranhos, que os vários médicos, que procurei, não sabiam diagnosticar.

Por vários meses, busquei médicos de vários hospitais, clínicas particulares, viajando quilómetros à procura de uma prescrição ou tratamento milagroso para solucionar o que eu tinha.

Ali estava naquele hospital, com a minha audição alterada, a ver reflexos à minha volta, sentindo-me desequilibrada ao andar, fugindo da luz e de todo o barulho.

E para além disso, por vezes, a incompreensão dos que nos rodeiam, dói  ainda mais… Parece que estamos a fazer fitas:

- Fecha-me a janela que está muita luz aqui dentro! – assim dizia aos meus colegas de trabalho, enquanto estava angustiada, a lidar com algo, que até então não me estava diagnosticado. E eles, riam e julgavam-me meia louca ou com mania de doença.


A luz que eu amava! ... Ah, como gostava da luz do sol, de andar ao ar livre, andar desde as mais frescas horas do dia, admirar este sol magnífico… Mas, agora a luz me cegava, não me deixava ver, e parecia estar a ficar louca, com depressão, com sei lá o que eu tinha, e que os médicos não sabiam explicar…

Foi complicado andar assim, como que às cegas, de médico em médico, e parecia que estava a ter uma crise do tal stress que é sempre o culpado quando não existem diagnósticos científicos mais acertados.

Quando finalmente um médico me disse que poderia estar a perder a visão, que esses sintomas eram os primeiros na progressão de uma cegueira por retinose pigmentar, ousei perguntar:
- E o que posso fazer, tenho de fazer novos óculos, existe tratamento?

Foi então que ouvi a sentença:
- Não, neste momento, só esperar que a progressão da cegueira não seja tão rápida!
- Mas, quando vou ficar cega?
- Não se sabe, talvez daqui a alguns dias, ou meses, ou anos, difícil dizer… apenas que a cegueira vai chegar, sim, algum dia, e nada há a fazer, neste momento…

E assim saí sem nada, a não ser eu mesma. Estava só!


Não acreditei... Deve haver outra resposta médica, outro tratamento… E ainda andei por vários meses, a ir de um lado ao outro, à procura de quem me dissesse que sim, que havia qualquer coisa que pudesse fazer…

Mas não!

Ou talvez sim, com tais lentes amarelas, adquirir os produtos técnicos caríssimos, inacessíveis à maioria de doentes como eu.

Foi então que a sábia frase da tal senhora me foi batendo na cabeça:

“Temos de ser médicos de nós mesmos.”

Isto de ser médicos de nós mesmos, nada tem a haver com esquecermos os médicos e os seus tratamentos convencionais.

Isto de “ser médicos de nós mesmos” vai muito mais além.

Já dizia o filósofo Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo!”

Parece fácil nos conhecermo a nós mesmos, mas é exatamente isso que temos de fazer, quando tudo o que nos parecia sólido e bem seguro, nos começa a cair à nossa frente.

Quando alguém nos diz que a nossa visão tem um prazo de validade incerto, é o mesmo que dizer-nos:
- Qualquer dia, acordas e já não vês nada!

E a primeira coisa que nos vem à cabeça é isto:
 - Então, nada mais importa!


Desistir é sempre a forma mais fácil de prosseguir. 

Quando desistimos, deixamos que outros nos levem. Quando desistimos, somos o que os outros desejam de nós.

- Ah, coitada, vai ficar cega! Não tens sorte! Só te falava agora isso! - Diziam-me alguns conhecidos a quem relatava a minha fatalidade.

Palavras vazias, sentenças de prisão perpétua que se unem à sentença de morte dos médicos já decretada e irrevogável: - Vais ficar cega!

Temos de ser médicos de nós mesmos!

Fazer um autoconhecimento do que somos, do que queremos, do que temos e do que não queremos perder!

Sim, fiz o meu luto, chorei muito e fiz toda a birra que qualquer um tem direito diante das sentenças propostas.

Tenho de ser médico de mim mesma. - Insisto e não desisto!

E foi assim que levantei a página escrita por médicos e amigos da catástrofe iminente, e ousei escrever eu mesma nova página.

Lancei-me eu mesma a desbravar pela net e livros, conhecer outros, como eu, que já andam nestas lidas da cegueira, e que bem sabem do que isto é, no real e concreto do dia a dia.

Sou médica de mim mesma e não desisto!

Posso ficar cega, posso ficar na escuridão das formas e cores, mas sempre há algo a fazer, com este resto que me está ainda nos olhos…

E depois, vê-se, nem que seja com as mãos…


Existem tantos interesses que rondam a atual medicina, com as suas teorias e preconceitos, ditando quem tem direito ou não de viver. 

Bons exemplos disso é o atual caso "Alfie" e a pírula do cancer... Coloco ao fim deste artigo, os links das notícias que se referem a estes casos...

Nestes últimos anos deparei-me com estes e outros tantos casos de diagnósticos e tratamentos, uns convencionais e outros tantos, supostamente dados como não provados cientificamente, mas na vida real,  mais eficazes.

Por vezes, a própria natureza nos oferece a cura, mas há uma tendência comercial que a embala e modifica, para dar mais lucro e causar mais impacto comercial.

Infelizmente, a cura não é rentável economicamente. A doença gera milhões de lucros em exames, tratamentos e medicamentos.

A quem sofre, resta a opção, mesmo que silenciosa.

Tenho eu de ser médica de mim mesma, e optar, ler todas as entrelinhas, e julgar se vale a pena as propostas de tratamento que vou conhecendo aqui e ali.

E quando digo “tratamento” digo apenas, tentar parar a progressão desta cegueira que me come a visão aos poucos, sem ser percetível.

Quando se perde a visão por retinose pigmentar é como fechar a visão de dentro para fora. Quem me vê, nada nota. Apenas eu bem sei o que sinto e vejo, o que passo quando não vejo, ainda tendo de lidar com esta falta de informação acerca da baixa visão e do que a bengala verde vem dizer a esta nossa limitação que ninguém sabe, só nós, que passamos por isso.

Por isso, há que ser médico de nós mesmos!



Atenção: Este artigo reflete a minha opinião pessoal e partilha de vida como deficiente visual.  "Ser médico de nós mesmos" não significa esquecer a medicina convencional ou opor-se a tratamentos. Não tenho interesse em prescrever tratamentos ou dar conselhos médicos. "Ser médico de si mesmo" é um convite ao conhecimento de nós mesmos, aceitando as nossas limitações, não desistindo de lutar, aceitando a readaptação à cegueira progressiva. Para mim, usar a bengala verde foi o meu primeiro passo nesta aceitação. A cada um, fica o direito de opção!

Conforme prometido, deixo abaixo os links que foram indicados neste artigo, mas existem outros, que me interrogam quanto às certezas da medicina... E por isso, não devemos desistir, nem que seja perante diagnósticos irrevogáveis. Porém, cada qual tem a liberdade de optar entre prosseguir ou não!

www.jn.pt/mundo/interior/morreu-o-bebe-alfie-alvo-de-batalha-judicial-pelo-seu-tratamento

pt.aleteia.org/2018/04/27/de-charlie-para-alfie-pais-do-bebe-morto-em-2017-se-solidarizam-com-tom-e-kate/

gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2017/05/como-esta-o-garoto-de-farroupilha-que-lutou-para-tomar-a-pilula-do-cancer-9784215.html

CPI conclui que houve erros graves em pesquisa sobre a pílula do câncer



(Texto e imagens de Rosária Grácio)