Um dos sentimentos que mais acompanha quem tem baixa visão é
esta constante expectativa de estar à beira de um grande precipício que é a
cegueira.
Quando me diagnosticam a minha doença visual, só me deram uma
certeza: um dia poderei ficar cega.
Na altura, não tinha a mínima ideia de como se processaria
esta tal cegueira. A visão límpida que tinha na altura não agoirava qualquer futuro
menos promissor …
Sim, conheci casos na minha família de cegueiras que se
apresentaram galopantes.
Alguns médicos até me diziam que eu iria ter visão até os
100 anos.
Estava a ser monitorada anualmente, e os exames demonstravam
que a minha retinose era atípica, ou seja, que dificilmente ela se
desenvolveria e eu ficaria cega.
Então, em meados de 2011, foi-me diagnosticado um cancro na
tiróide.
Passado um ano, submeti-me a um tratamento por iodo
radiotivo.
Ainda, durante o internamento do iodo radiotivo, senti a
visão dupla.
Coincidência ou não, lembro-me que foi a partir dessa altura que comecei a sentir dificuldades com a luz.
No trabalho, cheguei a zangar-me com os meus colegas por
eles quererem as janelas abertas nos dias de sol.
Comecei a ficar intolerante à luz.
Comecei a ver flaches de luz na minha vista cada vez mais
fortes.
Sentia-me cada vez mais impaciente diante das luzes, barulhos
e multidões.
No início, o diagnóstico de que a minha Retinose Pigmentar
tinha despertado não foi fácil de admitir ao meu médico oftalmologista.
Por vezes, nem sempre é fácil admitirmos que a ciência desconhece
ainda muito das patologias que atingem o ser humano.
Uma destas doenças tem o nome de Retinose Pigmentar.
Esta doença manifesta-se de muitas maneiras e parece-me que
ela se especializa de pessoa a pessoa.
O que eu vivi e senti pode não ser da mesma maneira que
outro possa viver e sentir no eclodir da Retinose Pigmentar.
Uma coisa é certa, o melhor é aproveitar a visão, dia após
dia.
Pois a incerteza faz parte da vida humana.
E não é porque tenho Retinose Pigmentar que a incerteza será
maior.
Talvez, o que a Retinose Pigmentar traz é mais obstáculos
dia após dia.
Ver cada vez menos a cada dia significa que tenho de viver
cada vez mais a cada dia…
(Ouça abaixo o texto acima narrado pela autora Rosária Grácio)