"Ver" - Pintura sobre azulejo - Obra original de Rosária Vilela |
Ver ou não ver, eis a questão!
Quem sofre de baixa visão depara-se com esta pergunta existencial: “Ver
ou não ver, eis a questão!”
Esta pergunta acompanha-me desde que aceitei que tenho “baixa visão”.
É preciso aceitar-se que se tem esta deficiência visual grave.
Enquanto não aceitarmos que temos esta deficiência visual, ficamos
sujeitos às suas vicissitudes. Quando comecei a aceitar esta fragilidade, é que
arranjei coragem para vencer as minhas limitações, e adaptar-me a elas, para
assim prosseguir a minha vida diária.
E quão difícil é aceitarmos que já não temos a mesma visão como antes!
Quando se vai perdendo a visão, pelo menos no meu caso, o campo visual
vai-se apagando aqui e ali…
O problema é que não sabemos quando vai ser “aqui” ou quando vai ser
“ali”.
"Interrogações Transmontanas" - Pastel sobre papel - Obra original de Rosária Vilela |
Quando a minha deficiência visual agravou, a minha perceção visual foi
sendo cada vez mais limitada. Porém, definir isso concretamente tornou-se o meu
maior problema.
No início, não percebia muito bem porquê, por vezes, via umas coisas e
depois já não as via.
Às vezes via, e julgava que via! Aliás, até afirmava que isso ou aquilo estava ali! E depois, ao voltar a olhar, as coisas como que desapareciam ou mudavam
de lugar.
No entanto, o que realmente tinha mudado, era a minha perceção visual.
Posso dizer que a visão era o sentido que mais utilizava em minha vida.
Ainda mais que sou pintora artística.
Claro que para além das artes tinha e tenho outras atividades.
Porém, as artes visuais sempre captaram a minha atenção desde a minha
infância.
Quando se vê o mundo como artista de artes plásticas, tudo é percebido
como cores, linhas e sombras. Os mínimos detalhes são essenciais.
Portanto, à medida que fui perdendo esta perceção pura do que via, tive
de saltar do patamar de conforto onde estava.
Quando voltei a dedicar-me às artes, já com baixa visão, tive de
reaprender a pintar e a desenhar…
Posso dizer, que agora, pinto e desenho mais com as mãos do que com a
visão. Pode ser absurdo dizer isso, mas as mãos também veem.
Penso que não é pelo facto de ter deficiência visual que tenha de
abdicar da minha arte.
Até que a minha vista se acabe, eu vou continuar a pintar!
Eu a pintar. |
Desde que comecei a fazer este percurso de cegueira progressiva,
conheci pessoas corajosas, que ultrapassaram muito, para realizarem os seus
sonhos profissionais.
Pintar e desenhar com baixa visão é um desafio.
A vida é um desafio a cada instante!
Para quem não sofre de deficiência visual, ver pessoas com este
problema físico a fazerem coisas que exigem muito da visão, parece impossível.
Eu também julgava muitas coisas impossíveis quando comecei a ter baixa
visão.
Até que um dia, aceitei a minha bengala verde e pus-me a voltar a fazer
algumas das coisas que antes fazia. Claro que nem todas as coisas podemos fazer
da mesma maneira que antes. A questão aqui é encontrarmos uma nova forma de
fazer as coisas que antes fazíamos.
Isto é trabalhoso, mas é compensador! Temos de decidir que a visão nos
falha e que é preciso arranjarmos novas formas de fazer as coisas, mesmo que
seja mais devagar.
Quando estou a pintar, agora com baixa visão, já não penso muito no que as cores e as formas
me indicam. Sei que à medida que vou perdendo a visão, terei cada vez mais falhas no que penso estar a ver...
Cada vez mais, preciso sentir as cores e as linhas com as suas sombras e tons, tocando-lhes com o pincel, enquanto eu puder.
Cada vez mais, preciso sentir as cores e as linhas com as suas sombras e tons, tocando-lhes com o pincel, enquanto eu puder.
E isso também se aplica a outras atividades… Por exemplo, lavar a
louça, arrumar a roupa ou passar a ferro. Não posso guiar-me pela visão. Tenho
de tocar, sentir as coisas e ver se o prato está realmente bem lavado, ou se se
a roupa está bem dobrada ou se está bem passada. Tudo isso tenho de ver com os
dedos e não com a visão.
Quando faço compras no supermercado, tenho de ver com as mãos, sentir que não esqueço nenhuma coisa que comprei quando as coloco no meu carrinho de compras.
Andar na rua, com a bengala verde a ver a rua e os seus obstáculos, libertando os meus olhos de tantas preocupações com o meu caminhar em segurança entre as pessoas e os carros em movimento.
Com a minha baixa visão, tenho grande dificuldade com o barulho e o movimento. É complicado andar numa rua movimentada pois já não sou capaz de captar tudo o que se passa à minha volta.
A minha baixa visão não me permite ver tudo como um todo. Mas a minha bengala verde e os meus dedos começaram a ver por mim.
Andar na rua, com a bengala verde a ver a rua e os seus obstáculos, libertando os meus olhos de tantas preocupações com o meu caminhar em segurança entre as pessoas e os carros em movimento.
Com a minha baixa visão, tenho grande dificuldade com o barulho e o movimento. É complicado andar numa rua movimentada pois já não sou capaz de captar tudo o que se passa à minha volta.
A minha baixa visão não me permite ver tudo como um todo. Mas a minha bengala verde e os meus dedos começaram a ver por mim.
Não é fácil esta decisão!
Todos tem o seu momento.
Por vezes, ficar em casa, é sempre a maneira mais fácil de lidar com a
deficiência visual.
Porém, é em casa, na minha zona
de conforto, que tento reaprender dia após dia como posso lidar com a minha baixa visão.
Cozinhar, cuidar dos meus gatos, escrever e ler um livro.
Sim, ler um livro, é ainda possível.
Eu e a minha gata Bia |
Aprendi que ler um livro com a luz da janela a iluminar as letras, nem
se precisa de óculos. Sim, esta técnica, para mim resulta.
Tenho é que colocar os dedos a servir de guia a cada frase lida. Se não
fizer isso, já me aconteceu deixar de ler um parágrafo inteiro que julgava não
existir…
A Baixa visão engana-nos com facilidade se não estivermos atentos.
No início, muitas coisas passavam despercebidos porque as olhava e
pensava já ter visto tudo.
Ver e não ver, eis a questão!
A visão não é a única maneira de ver e quando reparei que tinha outras
possibilidades, voltei-me a inscrever-me na escola das habilidades físicas do
meu corpo e fiquei admirada.
Quando aceitei que não poderia continuar a depender da visão, aos
poucos fui-me apercebendo que poderia ver, de uma maneira diferente e só então,
comecei a adaptar-me a esta nova situação, pois este desafio está apenas a começar!
É como se estivesse num jogo de futebol. Tenho de conhecer muito bem o meu adversário, a “baixa
visão, para que possa vencer a cada jogada do dia a dia.
Ainda estou a aprender a lidar com a "baixa visão", aliás, não sei nada deste futebol complexo que é a deficiência visual. A minha única tática possível é perceber muito bem o tipo de baixa visão que tenho pois só assim,
estarei mais preparada para vence-la no meu quotidiano.
Foto de um jogo de futebol |
Obs.:As imagens estão identificadas com legendas.